Vendo fotos antigas de Araruama, publicadas na forma de cartão postal, tive a idéia de, a partir delas, reunir lembranças e histórias que pudessem dar vida a esses cenários.
São recordações que marcaram nossa infância e adolescência, numa época em que se nos ressentíamos de algum conforto oferecido mais tarde pelo progresso, éramos agraciados com vantagens incomparáveis, como a saúde da Lagoa, a tranqüilidade e a paz que só uma pequena cidade pode proporcionar.
Revisitada a memória, muitas histórias foram tomando forma a partir de conversas, fotografias de família e amigos. Muito mais poderia ter sido contado e penso mesmo que seria um trabalho infinito. Pequenas lembranças vão se juntando a outras, como pequenos retalhos que se unem formando grandes painéis.
S e de nada servirem, pelo menos poderei aproveitá-los mais tarde, quando a memória não estiver à disposição para aplacar os momentos de saudade.
Desse cais que ficava em frente à atual rodoviária, saíam e chegavam os barcos, carregados de conchas extraídas da lagoa e sal trazido das salinas de Praia Seca, para o carregamento dos caminhões. Eram muitos homens de bermudas, com a camisa amarrada na cabeça, muito bronzeados pela ação contínua do sol e do sal.
Esses barcos já faziam parte da paisagem e houve uma época em que um deles se transformou num restaurante flutuante. Era o “Comtic”, que pertencia a Leonardo Comte. Servia uma comida deliciosa, preparada por Leonardo, que era alegre, falante e gesticulava muito, como todos os italianos. Lembro que muitas vezes, levamos caniços, para de dentro do barco, tentar pescar aqueles peixinhos bem pequenos que existiam na lagoa. Era lindo ver o Comtic flutuando iluminado à noite, como um pequeno broche que enfeitava a paisagem.
Meu pai possuía um desses barcos que retirava conchas e uma vez nos levou para fazer o percurso. Acordamos muito cedo e assistimos ao nascer do sol, já de dentro do barco. A lagoa parecia um grande espelho e o silêncio da manhã só era quebrado pelo som do motor e dos pássaros que sobrevoavam a lagoa à procura de peixes.
Num determinado ponto, parado o barco, pudemos ver as conchas, que sugadas em grande quantidade do fundo da lagoa, caíam numa imensa peneira. Junto vinham pequenos peixes, camarões e me lembro que um daqueles homens, que trabalhava no barco, pegava os camarões, retirava as cabeças e os comia ainda vivos. Ficamos todos, horrorizados!
Na volta fizemos um lanche dentro do barco, paramos para um mergulho e então voltamos pra casa. Foi um dia maravilhoso!
As conchas depois de retiradas da lagoa, seguiam de barco até a fábrica de farinha de ostras que meu pai comprou, em Ponte dos Leites.
Moinho |
Moinho |
Espalhamento das Conchas |
Carregamento da Farinha de Ostras |
Era um grande prédio branco, que penso existir até hoje, onde no quintal, a concha era espalhada para secar, para depois ser levada para um grande moinho motorizado, onde se transformava em farinha de ostras.
O prédio ficava na rua principal de Ponte dos leites, junto à estação do trem e à rua lateral, conhecida como Travessa Lorette, assim denominada numa homenagem o antigo dono da fábrica.
Uma história muito interessante desse tempo é que Seu Hamilton Mello e Seu Lorette eram muito amigos e possuindo o mesmo tipo de negócio, possuíam empregados que já haviam trabalhado nas duas fábricas. Um desses ex- funcionários, que havia trabalhado por muitos anos com os dois, se tratava de um tipo de matador de aluguel. Seu Hamilton, de brincadeira, perguntou a ele se aceitaria dar cabo de alguém que estava a lhe atrapalhar a vida e os negócios. O dito empregado, disse que há muito não fazia esse tipo de trabalho, mas que para Seu Hamilton, antigo patrão e grande amigo, não poderia recusar o "serviço". Acertaram o preço em duzentos contos.
Por se tratar de brincadeira, quando ele perguntava quem seria a vítima, Seu Hamilton desconversava e dizia que estava ainda estudando o momento propício, quando só então revelaria o nome do “coitado".
O homem, muito precisado do dinheiro, ofereceu a Seu Hamilton um bom desconto, deixando o serviço pela metade do preço, só para servir ao amigo. Então, uns dias depois, procurado insistentemente, pelo sujeito, Seu Hamilton resolveu revelar o nome da futura vítima, sabendo que se tratava de alguém, por quem o "matador", nutria grande respeito e consideração.
- É Lorette! Preciso que você acabe com ele!
- Ah! Seu Hamilton, respondeu ele. Seu Lorette é muito meu amigo e pra matá ele, num faço desconto não sinhô!
Obs:
A foto antiga foi retirada de cartão postal impresso pelo Aspergillus.
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